Embora abalado pelas denúncias de corrupção – que tinham levado políticos importantes para a prisão – o Partido dos Trabalhadores conseguiu fazer seu sucessor na presidência da República nas eleições de 2010. Numa outra eleição histórica no Brasil, pela primeira vez uma mulher, no período republicano, assumia o executivo do país: Dilma Roussef.
No entanto, o entusiasmo com o governo e com a economia do país – que dava sinais de retração - nos anos iniciais do governo Dilma, havia caído do fogo para brasa. Havia algum entusiasmo capitalizado pela Copa do Mundo de futebol da FIFA que se realizaria no ano de 2014.
Os preparativos para a Copa implicavam na construção de estádios grandiosos para se realizarem os jogos. Todos eles deveriam seguir o chamado “padrão FIFA de qualidade”. Muitos deles em regiões empobrecidas e carentes de serviços básicos. A Arena do Amazonas, por exemplo, em Manaus, custou cerca de 800 milhões de reais, em um Estado onde apenas 36% da população tem acesso a rede de água e a coleta de esgoto atende apenas a 4% da população.
As exigências do “padrão FIFA” irritaram profundamente os brasileiros. Unidas a uma crise de representação política surgida no escândalo do mensalão, eis que o povo vai para as ruas exigir o mesmo “padrão FIFA” pelo qual o governo construia os estádios da Copa para os hospitais, escolas, transporte público, que no país ainda eram precários.
A parceria exitosa entre governo e iniciativa privada na construção da infra estrutura da Copa foi fruto da vontade política para que tudo se materializasse. O povo percebeu que se houvesse essa mesma vontade política para a construção de hospitais, escolas, creches ou infra estrutura - saneamento, água e etc – o país poderia ser melhor. Os recursos existiam na 7ª economia mais robusta do mundo e que havia uma disparidade entre essa posição no ranking da riqueza e a posição 85ª no ranking do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano).
O povo percebeu também que se a mesma vontade política não acontecia nos serviços básicos é por que eles haviam sido também privatizados: a educação por meio do avanço das escolas particulares em todos os níveis e a saúde, por meio da proliferação dos planos de saúde. Num quadro como esse é claro que serviços públicos de excelência nesses setores vai ser visto como uma interferência do Estado na economia, na livre concorrência. O problema se agrava pelo meio termo que se vive entre, de um lado, lobbies de grandes empresas desses setores que simplesmente impedem investimento em nome da livre concorrência e, de outro, a ineficiência do Estado com falta de projetos consistentes nessas áreas. Ficou claro que quando existe vontade política as coisas simplesmente acontecem e quando não há interesse das elites políticas e econômicas as coisas são simplesmente procrastinadas e os interesses particulares se sobrepõem aos coletivos. A falta de solução e a procrastinação em torno da questão do problema de saneamento básico – que além do desconforto evidente que causa a população – é responsável por várias doenças em adultos e crianças, é no Brasil, portanto, mera falta de interesse e de vontade política e não falta de recursos. A perversão e o sadismo, nesse caso, é algo desumano e uma tortura sistemática e cotidiana contra o povo pobre do país.
Porém, o povo brasileiro tem uma capacidade única de surpreender. As grandes manifestações populares que sacudiram o país em 2013 não foram resultado apenas da crise de representação política que tomou conta do país por ocasião das denuncias do mensalão. Crise econômica e gastos exorbitantes com a copa de um lado e, de outro, a sensação cotidiana da ausência do Estado levou o povo a surtar e a ter um rompante anarquista. O resultado: incêndio nas ruas e a repressão do Estado numa espécie de primavera árabe que – para o terror da classe política e dos donos do poder – havia chegado ao Brasil.
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